segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
A UMA MULHER CHAMADA RUTE
Ela não sabia nada da vida,
Fora mãe ainda uma criança,
Rute, uma simples rapariga,
Há muito perdera a esperança.
Dos homens que conhecera,
Nesta sua breve caminhada,
Apenas um a enternecera,
O mesmo que a olvidara.
Moça simples e de costumes,
Da aldeia que a viu nascer,
Partiu assim, por serras e cumes,
Certa manhã, num amanhecer.
E há cidade grande já chegando,
Com a menina pela mão,
A ambas foi-se deparando,
Uma estranha sensação.
Tudo era como num imenso desafio,
Dos prédios como gigantes,
Aos carros num rodopio,
Parando nos passos distantes,
Dos que passavam sem olhar,
Homens em louco frenesim
E animais a se desgarrar,
Nada ali parecia ter um fim,
E quanto mais elas caminhavam,
Quanto mais as saudades diziam,
Mais e mais, se embrenhavam,
Nesse grito que ao longe ouviam,
Do quarto escuro e sem cortinas,
Alugado na única das pousadas,
Aonde todas as coisas eram permitidas,
Da vileza às ratazanas nas escadas.
E foi assim que a manhã se realizou,
Por ruas estreitas e portas fechadas,
Rute, bem que se esforçou,
Mas de tantas oportunidades negadas,
Breve o sonho a fez temer:
Sem emprego e sem dinheiro,
Sem ter o que levar que comer,
Pensava na filha, o dia inteiro,
Esperando por ela no lúgubre quarto,
Na esperança que sua mãe viesse,
Trazer-lhe o que pôr no prato,
Por aconchego ou pura benesse.
Afligida por tamanha afronta,
Má mãe então ela se julgou,
E fazendo jura, pôs-se pronta,
Guardou a cruz e caminhou.
Desde então, velhos e relhos,
Por sua repulsa e farto engenho,
A quiseram assim, de joelhos,
Como no rosto o cenho,
De dias carregados de miséria,
E no corpo o transtorno,
Dos que, chamando-te de galdéria,
Eram o teu próprio e triste abandono.
E as noites sobrevinham aos dias,
Como os dias eram com as noites…
E nem o álcool nem as fantasias,
Calavam nunca a brutalidade do açoite.
E pensavas na tua pequenina!
E aceitando a ignóbil do homem,
Logo tornavas a fálica esquina,
Aonde todos os sonhos se consomem,
Na aturada omissão de quem passa,
Sem ter o que querer nem saber,
Na pressa descuidada, rumo a casa,
Passo apressado, que não quer ver.
Rute, uma simples rapariga,
Que fora mãe sem ser criança,
Sabia bem o que era a vida,
Por isso tentara a mudança,
Na esperança vã de um novo dia,
Tomando rumo que dar à filha,
Talvez mesmo um pouco de alegria,
Mas dos outros a partilha,
Foi só esse imenso desprezo,
Que rasga e prante e dói na alma,
E mais ainda que fogo imenso,
É lume brando, em doída calma.
Rute, morreu só, sem honra
Nem dos outros o respeito,
Mas nossa é a vil desonra,
Como dela em nós o despeito.
Jorge Humberto
(06/03/2004)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário